quarta-feira, 26 de setembro de 2012

REFLEXÕES SOBRE CRÍTICA TEXTUAL: importância da institucionalização da disciplina e alguns de seus problemas terminológicos e de precisão conceitual


(texto - com modificações - apresentado no GT de Crítica Textual, no XXVII ENANPOLL, realizado de 10 a 13 de julho deste ano, no Instituto de Letras da UFF)    

 
 

A Crítica Textual hoje, apesar da sua importância para as pesquisas e os estudos que envolvam e que envolvem textos escritos, não se encontra presente, como disciplina obrigatória, na graduação da maior parte das universidades brasileiras. Na Pós-graduação, também não é comum que sejam oferecidos cursos que a tenham como tema. Além disso, essa disciplina convive com gravíssimos problemas terminológicos e de precisão conceitual, como, para só citar alguns, o da definição da abrangência da Crítica Textual, o da polissemia da palavra Filologia e do termo Ecdótica. É sobre esses assuntos, que nos inquietam, que vamos discorrer nestas linhas.

 Sobre a necessidade de institucionalização desta disciplina nas universidades brasileiras, é tarefa urgente e inadiável a passagem da Crítica Textual à disciplina obrigatória nos currículos de graduação de Letras do país, pois há uma grande lacuna nesses cursos quando eles não se ocupam da história da transmissão textual e das transformações que os textos sofrem e sofreram ao longo de suas publicações. Além disso, como passar por um curso de Letras sem receber sequer noções acerca dos tipos de edições, sobre a importância de um texto rigorosamente estabelecido e sobre mudanças realizadas em textos por seus autores e pelo que se convencionou chamar de tradição? Por outro lado, a Crítica Textual será mais divulgada se for amplamente institucionalizada. Contudo, especialmente na área de Letras e de Linguística, o que assistimos, na atualidade, no Brasil, é, como já dissemos no início deste trabalho, é que são minoria as universidades que têm a Crítica Textual como disciplina obrigatória na graduação e que oferecem cursos na Pós-graduação sobre ela.

A ausência da Crítica Textual na Graduação e na Pós-graduação da maioria das universidades do Brasil parece ser um absurdo e mesmo não estar alicerçada em bases científicas, pois sabemos que textos são objeto material de pesquisas na área de Letras e de Linguística, por exemplo, e que é base segura para um estudo científico nessas áreas o cuidado, por parte do pesquisador, em escolher edições confiáveis e de saber que os textos são modificados à medida que são publicados. Também é fundamental, para o bom andamento de uma pesquisa científica nessas áreas, saber como é que os textos chegaram até nós, ou seja, conhecer pelo menos parte da história da sua transmissão. Então, como é que a Crítica Textual pode não estar presente na maioria dos currículos de Letras, já que ela tem papel fundamental em estudos com textos? Será que as universidades que não têm a Crítica Textual em seus currículos trabalham com textos como se esses fossem imutáveis e como se o conhecimento da história de sua transmissão não fosse de fundamental importância para as pesquisas em Letras e em Linguística? Será? É de espantar, mas é o que ocorre na maior parte das universidades de nosso país.

Órgãos de fomento à pesquisa no Brasil como o CNPq, a CAPES e a FAPERJ, para citar apenas alguns, também contribuem para esse estado de coisas, pois não fazem constar em suas famosas listas de áreas e de subáreas a Crítica Textual, o que prejudica, a nosso ver, a valorização e a difusão dessa disciplina no meio acadêmico nacional, já que os pesquisadores da área, para submeterem seus projetos a esses órgãos, têm de filiá-los a disciplinas como Linguística Histórica ou Teoria da Literatura, por exemplo. Tais encaminhamentos acabam levando esses projetos às mãos de pesquisadores que nem sempre acompanham o desenvolvimento e os problemas da Crítica Textual, o que acaba se transformando numa pedra não intransponível, mas numa pedra no caminho à obtenção de uma bolsa de pesquisa. E sem bolsas de pesquisas, sem incentivos a pesquisas, como é que podemos convencer os nossos alunos a seguirem pelos árduos caminhos da Crítica Textual? E aqui fazemos referência a uma frase atribuída a Aristóteles: “As raízes do conhecimento são amargas, mas os seus frutos são doces”. Mas lembramos: para colhermos os doces frutos, alguém teve de plantar a árvore, fincar suas raízes numa terra fértil, preparada para recebê-la.

Acreditamos que esse movimento de plantar a árvore e de fincar suas raízes numa terra fértil, ou seja, de contribuirmos efetivamente para a institucionalização da Crítica Textual a nível nacional, assim como o de sensibilizamos os órgãos de apoio à pesquisa do Brasil a fazerem constar em suas prestigiosas listas a Crítica Textual são tarefas que se impõem também aos membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL. 

Outra tarefa que se impõe aos membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL é a de contribuirmos para a construção de uma terminologia menos propícia a estéreis problematizações. Por exemplo, a polissemia da palavra Filologia ao invés de despertar a curiosidade de alunos iniciantes em Crítica Textual, os afasta da disciplina, pois muitos não conseguem conviver com a falta de precisão que aquele termo suscita. Filologia, como todos nós sabemos, pode significar estudo histórico de uma determinada língua ou de um conjunto de línguas, o que a faz ser confundida com a Linguística Histórica. Pode também significar Crítica Textual, o que não ajuda o aluno a ter uma maior compreensão acerca da área, pois há também controvérsias a respeito do conceito de Crítica Textual e de seu campo de atuação.

Vejamos. Para alguns teóricos, Crítica Textual é estabelecimento de textos. Ora, Filologia, quando confundida com edição de textos, não é entendida apenas como estabelecimento de textos. Filologia é estabelecimento, interpretação e comentário de textos, por meio do estudo da história da transmissão, da gênese e da recepção textuais, do exame da língua em que esses textos foram escritos e da literatura que os forma e que por elas é formada.

Pelo que podemos verificar por meio do que foi até agora dito neste trabalho e por meio da nossa experiência como professora tanto da graduação como da pós-graduação e, não podemos nos esquecer, como pesquisadora da área, confundir Filologia com Linguística História e também não precisar a abrangência da Crítica Textual (É estabelecimento de texto? É Filologia?), em nada contribui para a expansão e valorização da disciplina que dá nome a um GT da ANPOLL.

 Outra questão importante é que, para a Crítica Textual Moderna, o estudo da gênese textual se impõe e é, podemos dizer assim, possível e necessário, o que a aproxima muito da Crítica Genética, porém não a torna um sinônimo dessa, pois Crítica Genética e Crítica Textual têm objetos formais distintos. Mas, é comum lermos, não em textos escritos por críticos genéticos, que Crítica Genética é uma parte da Crítica Textual, o que vem a aumentar os graves problemas conceituais e terminológicos da nossa área.

Que podemos fazer para contribuirmos no sentido de alcançarmos maior precisão conceitual e terminológica em Crítica Textual?

Acreditamos que devemos incentivar grupos de trabalho a realizarem maior número de congressos, seminários, encontros e simpósios (inclusive, participando mais ativamente na ALFAL), além de fazermos o possível para criarmos e fortalecermos cursos de pós-graduação em Crítica textual e de investirmos em ações que viabilizem a institucionalização da Crítica Textual como disciplina obrigatória pelo menos nas Faculdades e Institutos de Letras do país. Devemos ainda levar aos órgãos de fomento à pesquisa do Brasil a reivindicação de que, em suas listas de áreas e de subáreas, conste a Crítica Textual, além de trabalharmos em sua divulgação por meio da publicação de artigos, livros, edições críticas e mesmo em manuais e tratados de Crítica Textual, além de nos empenharmos numa maior aproximação em relação a pesquisadores estrangeiros, nacionais e mesmo locais.  

Tais ações são exaustivas, mas, com certeza, se concretizadas, contribuirão para o crescimento, expansão, divulgação e institucionalização da Crítica Textual.

 

           

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